segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Paradoxos

Quatro textos em quatro dias - já posso pedir música no Fantástico. Alguém está superando as expectativas ou precisando se comunicar, reorganizar-se…


Introdução


Enquanto escrevo esta querela, escuto BaianaSystem e fico pensando se isso seria uma homenagem ou uma traição à Chico Science. Vocês precisam escutar esta banda, gente, sério.  Eu a conheci no último domingo, por meio de uma das melhores pessoas que me apresentaram nos últimos anos. Luciana. A Lu é a esposa do Renato, um dos meus melhores amigos da vida. Re e eu nos conhecemos desde 1997, por volta dos oito anos. A Lu, conheço desde 2017, mas com todo respeito ao meu best, Luciana foi amizade à primeira vista. Primeiro, porque ela me tratou muito bem desde o segundo em que nos conhecemos. Depois, porque ela me chamou para comer pizza. Terceiro, porque ela tem uma tatuagem perfeita no pulso e todo mundo que tem tatuagem (perfeita) nesta parte do corpo é bom sujeito ou boa sujeita. Como se não fosse suficiente, a Lu gosta de RAP. No último dimanche, Renato, eu e a Luciana fomos ao shopping ouvindo Racionais e voltamos escutando BaianaSystem. E é por aí que a nossa conversa começa. 


Paradoxos


Infelizmente, aqui em São Paulo, a violência faz parte da realidade do dia-a-dia. Muitas  vezes, a gente anda com o celular escondido ou deixa ele em casa. Sei que não faz sentido, mas, muita gente que não consegue pagar outro sem se matar age assim. Recentemente, soube de uma menina  que se salvou de ter o aparelho roubado porque escondeu ele na marmita (é sério). 


Tendo essas questões à vista, eu, que escuto Racionais desde os quinze e, desde os dezesseis, sou professora, não consigo enxergar essas situações de violência sem também sentir compaixão por quem as executa. Mais ainda, sinto culpa. Quando ouço, leio e vejo esse abandono social, sempre considero que aquela pessoa que está “cometendo um crime” poderia ser um estudante meu e deveria estar na escola, na faculdade e/ou no emprego dos sonhos. 


Recentemente, o Mano Brown disse alguma coisa desse tipo no podcast dele: “a gente precisa considerar que a conta não fecha no caso de muitas dessas crianças da Fundação Casa. O governo oferece abandono e quer cobrar muito deles”. Eu não lembro as palavras exatas, mas o sentido era esse. De outra parte, o convidado dele, que não vou nomear para não dar palco, disse que primeiro era preciso resolver a situação das pessoas que estavam trabalhando e sendo assaltadas. Obviamente, concordei com o Brown e discordei do fulano.


Mais para o fim do ano, estava reforçando o meu posicionamento enquanto lia o “Diário de um detento: o livro”, do Jocenir. Gente, esta obra causa um choque de realidade tão grande. Até para quem é das humanidades e já espera certas coisas, é pesado. Cada vez mais, percebia essas questões de uma forma sensível.  


Nesta altura da nossa conversa, cabe confessar o meu lado mau. Gente, eu julgo sem pena e tenho ódio dessas pessoas que falam que bandido bom é bandido morto, que é para colocar a rota na rua e coisas do tipo. Por esses aí, a minha compaixão é nula. Já desisti de respondê-los, mas se não odeio todos, porque alguns são parentes, odeio todos os seus discursos.  


Fechando o primeiro parênteses, em uma das noites que eu estava lendo o livro do Jocenir, meu pai chegou em casa, mostrou-me as mãos e disse: Vão-se os anéis, ficam-se os dedos. Meu pai é uma peça à parte. Em resumo, havia sido assaltado no portão da nossa casa. Levaram-lhe a aliança,  enfiaram-lhe a mão no bolso, pegaram-lhe a carteira e a jogaram no chão depois de revirar. Por acaso, isso era dia 24 de dezembro, diga-se véspera de natal. 


E agora, José? Agora, foi com seu pai. Vai ter compaixão? Vai se sentir responsável?


Aqui, vale o segundo parênteses. Consolei meu pai dizendo que, felizmente, não lhe levaram o celular, levaram “apenas a aliança”. Isso foi um milagre, porque o assaltante olhou apenas um dos bolsos dele e o celular, que, logo nesse dia, estava lá, o cara não viu. Mas como a aliança era antiga, já estaria desvalorizada rs. Obviamente, meu progenitor me corrigiu, docemente, explicando que a aliança aumenta de preço com o tempo e que levaram um anel de uns mil reais, da renovação dos votos de casamento. Até hoje ele está sem aliança…


Nos dias que se seguiram, muitas pessoas foram assaltadas da mesma forma. A moça que faz a minha unha, um rapaz no ponto de ônibus e outras várias pessoas. Só quem escapou foi a menina da marmita e uma outra que ia à padaria e levou bronca dos assaltantes, porque estava na rua sem celular e sem motivo. 


Nesse ínterim, fiquei muito apavorada em sair. Lembrei de quando fui assaltada e é uma sensação de quase morte -  não desejo para ninguém. 


Como era fim de ano e eu estava de férias das aulas e do doutorado, estava saindo sem parar para rever amigos como o Renato e a Luciana. Por algum tempo, parei de fazer essas coisas. Depois acabei voltando, mas sempre meio em pânico, porque nem queria pagar Uber e nem queria chegar cedo rs. 


Aconteceu que a polícia começou a aparecer. Eu a vi, no mínimo, umas cinco vezes pelo bairro. Em algumas delas, com umas motos enormes que, segundo o senhor meu pai “sobem até parede”. Adivinha quem passou a se sentir menos desesperada? 


Sim, paradoxos. 


Mas, agora já é fevereiro e olhando tudo de longe, vendo o desgoverno do país e o encarceramento em massa, recordo-me da frase que ouvi de uma palestrante de um centro espírita. Ela tinha tido o filho recém assaltado em Belo Horizonte e falou o seguinte sobre o assaltante: “a pessoa já está numa vida dessa, não sou eu que vou desejar mais mal”. 

É isso, gente - não sou eu que vou desejar mais mal. Não amo menos meu pai por isso, mas fiz minhas preces por estas pessoas. Que estejam bem e que saiam dessa vida, que tenham um governo melhor e, sobretudo, melhores oportunidades.


O meu papel é lutar direito, fazer como a Luciana: participar de organizações sem fins lucrativos, colocar a mão na massa e ainda ouvir bandas boas como a BaianaSystem. Compaixão sem ação, ficar lendo, como eu tenho feito, é bastante cômodo. 


Escutem BaianaSystem e escutem o Mano a Mano, podcast do Brown.









Um comentário:

  1. Não quero ser bolsonarista, nem nada que se pareça, mas ter pena de quem pratica violência como aquela que há no Brasil é perda de condescendencia. É tudo tão monstruoso, que de certo estamos a falar de pessoas que já perderam a humanidade, e comportam-se como animais raivosos só para sobreviverem. São dignas de pena as pessoas que estão a começar no crime, e ainda podem ter possibilidade de recuperação pela via normal. Essas, de forma nenhuma. Não pertencem à sociedade, e têm de ser fechadas como dejetos.

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