sábado, 4 de junho de 2022

Organizando medos e coragens



Escrever ao som do spotify tem sido uma tradição. É uma forma de relaxar - pelo menos um pouco. Como sempre repito, não escrevo porque quero, mas porque preciso. Muitas vezes, esse ofício dói. Enfrentar os fantasmas, antes, significa encará-los. Sim, um clichê. Mais um, dentre tantos outros deste espaço. Sou um clichê humano: poemas e dramas passageiros. Hoje não será diferente. 


Neste momento, estou ouvindo um som chamado “Meu número”. Esta canção não tem absolutamente nenhuma relação com o meu movimento de vida e tão pouco  com o que preciso dizer, mas é uma ótima música (risos). Além disso, ela me deu uma abordagem para iniciar esta conversa. 


Na canção, o eu-lírico declara: “o meu número nunca mudou”. Ademais da minha compaixão por essa persona que deseja amor e demonstra apego, fiquei pensando que, ao contrário dela, o meu número já mudou duas vezes: há dez e doze anos.


A primeira troca de telefone se deu quando me mudei de São Paulo para Minas Gerais. Neste momento, eu e os meus 19 anos saímos de mãos dadas nos achando os desbravadores. De lá para cá, tanta coisa aconteceu. Fui para fazer graduação, apavorada em não dar conta do recado e não fazer amigos. Na atualidade, sou doutoranda e mantenho grandes amigos da faculdade e do mestrado. A segunda alteração rolou quando fui cursar uma licenciatura em Portugal. Nessa época, não havia Whats'App. 


Mas esse diálogo não é para falar sobre os meus números, essas trocas são apenas sintomas de outras mudanças. Assim como as das minhas caixas postais. Se essas sequências numéricas mudaram, é porque mudei de espaços físicos e psicologicamente. Entre esse percurso de graduações, mestrado e uma pandemia, mudei seis vezes de cidade e nove de casa. O que isso significa, estou sempre descobrindo. A princípio - braços fortes, de tanto arrastar mala, e casas para passar as férias em diferentes partes do globo. 


Também significa a falta de um lar fixo: outra vez, física e psicologicamente. Não que meus amigos não cumpram esse papel do ponto de vista afetivo. Na verdade, eles são TUDO, são meus anjos. O problema é que, uma hora na vida, a gente precisa de um lugar para se aquietar. Depois dos 30 e algumas doenças genéticas, isso se intensifica bastante. Intensidade para mim era outra coisa. São escolhas. Amo as que fiz. Por mais difíceis e amedrontadoras, não faria nada diferente. Mas, ué, por que, então, este texto?


Há duas semanas, outra vez, mudei-me. Depois de doze anos, regressei para São Paulo. Passei pouco tempo, mas o suficiente para ficar doida pela minha casinha e já começar a pensar na adoção de plantas e gatos. Apesar disso, em algumas horas, outra vez, vou me mudar, dessa vez para o interior. O diferencial desse momento é a minha reclamação por passar 15 semanas (e contando) morando longe do meu novo lar “oficial”. Parece que a pessoa de 2022 não está tão mais desbravadora como aquela de 2010. 


Por outro lado, o diferencial, neste momento, é a animação por tantas histórias que estão para acontecer. Pelas belezas que esses dias me proporcionarão. O medo, dessa vez, vem com mais certezas, mais esperanças. Se eu pudesse voltar atrás e abraçar cada versão de mim, eu diria “mais fé e menos ansiedade''. Depois, agradeceria por elas terem passado momentos tão difíceis e, ainda assim, dentre tantas durezas, trazido-me até aqui. Agora é só aguardar o que a versão pós interior contará. Espero que ela olhe para essa de hoje com a mesma animação (contraditória) e esperança que estou tendo. Que venham os novos tempos! Querido mundo, vou continuar te abraçando com as pernas! 

E os números? Bem, os de telefone já não mudam. E a caixa postal oficial passou a ser sempre a dos meus pais.